quarta-feira, setembro 3

Cidadania (3)

André Soares, através de uma entrada no mar salgado, levanta uma questão fundamental para esta discussão. Pressupõe que, para o alargamento dos espaços de cidadania dentro das esferas de decisão, é necessária uma reforma no sistema democrático no sentido de ultrapassar a hegemonia partidária. Assim, em detrimento das organizações de cidadãos como meros lobbies, grupos de pressão, condicionantes de decisões, defende a sua inclusão, a par dos partidos, no processo decisório. E coloca a questão de como realizar essa reforma que, por definição seria encetada dentro do sistema em que vivemos. Em minha opinião, não é possível. Alguns pontos para discussão (relativa a este particular, da reforma):

- Logo à partida, os mecanismos que garantiriam o processo da reforma teriam de ser executados a partir do sistema como o conhecemos, o que para a realizar em profundidade se revelaria inconsequente;

- Todas as organizações e movimentos sociais que poderiam constituir um espaço para a política activa extra-partidária, ainda assim com uma palavra a dizer num possível universo pós-reforma da democracia, surgem espontaneamente nestes dias e pecam, fundamentalmente, por possuirem preocupações específicas, parciais, abandonando uma concepção global, totalizante, da sociedade, intrínseca aos partidos. São assim demasiado efémeros quaisquer "ajuntamentos" de cidadãos para perdurarem no sistema democrático de voto como o conhecemos. Mesmo que se tornasse tudo referendável, possibilitando a apresentação ao voto de ideias de pequenos grupos de cidadãos, levantar-se-ia a questão da validade do referendo, a sua bipolaridade, o imprevisível número de alterações, para além da quantidade astronómica de propostas de referendos, etc, todas questões cujos únicos juizes seriam, quem mais?, os partidos inerentes à democracia parlamentar. É-me impossível, à partida, ver qualquer cidadão em competição directa com os partidos num sistema totalmente desenhado para (e por) estes;

- As raízes do problema pelo qual os movimentos limitam-se a problemas localizados deixarei para depois...;

- Sobram então, numa hipotética reforma na democracia que desse garantias de dar voz aos cidadãos em pleno exercício de política activa, duas vias: ou na radical equiparação de cada cidadão/grupo a um partido, o que ainda não é para a nossa era, ou uma reforma parcial no sistema, particularmente no seio dos partidos (falo sobre isto num post abaixo...). Mas mesmo esta última não faz senão amenizar um pouco o problema, limitando-se a uma tentativa de garantir uma democracia de base nas organizações partidárias e aumentando a mobilização activa em torno das várias preocupações satélite da sociedade - algo que parece sintomático no número de pessoas que se envolve nos movimentos sociais.

E soluções? é a pergunta mais comum. Bem... considero, em parte pelo que escrevi acima, que é uma injustiça intransponível dentro do sistema de representação através do voto em que vivemos. Não é reformável a esse ponto. Nunca, sem a alteração completa de todo o sistema pela sua base, será garantida a democracia no seu pleno, a democracia no seu verdadeiro sentido. Refiro-me não só aos diferentes regimes formais de democracia mas a todo o sistema, acente no capital, cuja centralidade do (tempo de) trabalho como forma alienante da consciência impossibilita o exercício da igualdade, da liberdade...