sexta-feira, agosto 29

Cidadania

No seguimento de uma reflexão sobre a cidadania, Neptuno, do mar salgado, que iniciou a "discussão", retoma a conversa. Faço aqui uma pequena pausa no raciocínio que iniciei num post anterior para escrever algumas linhas sobre dados novos. Na sua entrada CIDADANIA II, encontro três focos que pretendo comentar:

1. A participação dos cidadãos na responsabilização dos representantes através da justiça.

"A cidadania que se pretende é aquela que, para além dos direitos inerentes a um sistema democrático, assegure aos cidadãos que o seu voto conta - na responsabilização dos políticos que erraram por acções, inacções ou ausências - e que terão sempre a possibilidade de fazer valer os seus direitos na justiça - ainda em vida - e de verificar que os infractores são castigados."

De facto, não interpretei a primeira entrada de Neptuno como uma não tão ambiciosa participação cidadã na política activa - resumindo-se à garantia judicial da responsabilização dos políticos, para além dos direitos inerentes a um sistema democrático. O que escrevi baseia-se numa concepção que supere o crescente esgotamento do modelo de democracia exclusivamente representativa - bem patente nos números da abstenção -, que não se resuma, portanto, ao mero acto de votar acrescido, como propõe, da responsabilização dos representantes eleitos.
Sendo assim, não me propus a entrar numa reflexão tendo como centro a discussão sobre a dicotomia poder político vs poder judicial, e nem o farei, considerando que não consigo reduzir a democracia como a entendo a essa bipolaridade (o raciocínio que iniciei numa entrada anterior sobre os espaços em que a participação dos cidadãos teria expressão fica para mais tarde).


2. Dois tópicos que deixa para reflexão:
2.1.
"(i) as "jotas", de onde saem 90% dos nossos (?) políticos, como escolas de carácter"

Sem dúvida que as juventudes partidárias são, neste momento, um espelho hiperbolizado dos mecanismos dos diferentes aparelhos. Seja em regras organizativas ou pensamento ideológico. Algo que irá, a manter-se, perpetuar indefinidamente um sistema político com muitas dificuldades em reformar-se por dentro. Mais um motivo para que a acção política, a tomada de decisões, não se encontre exclusivamente dentro da esfera partidária, pois não basta que os responsáveis políticos se encontrem sob a tutela do poder judicial.

2.2.
"(ii) a vontade que terá qualquer cidadão de intervir na política se for confrontado com a realidade dos "aparelhos" e/ou de uma imprensa sem tutela dos (e apenas dos) tribunais."

Encontro aqui duas realidades distintas: o cidadão perante a realidade dos "aparelhos" e a responsabilidade da imprensa como "Poder". Relativamente à primeira, voltamos à questão dos espaços de intervenção do cidadão na política, que penso não se poder resumir, no futuro, aos partidos. De qualquer modo, não defendo o seu término, antes uma mudança profunda na forma-partido para que, mesmo interiormente, a política como acto democrático de reflexão e tomada de decisões se realize horizontalmente, em detrimento de uma política "imposta" de cima para baixo. Já a responsabilidade da imprensa é outra questão. Sinceramente, causa-me arrepios a tutela dos tribunais sobre a imprensa. De facto, ultrapassam-se limites amiúde nos dias que correm, mas coloco a responsabilidade sobre estratégias de sobrevivência numa sociedade caótica de mercado cuja lógica empresarial não deixa, de todo, espaço para um jornalismo verdadeiramente humano, em todas as suas dimensões.


P.S.: O Gabriel no cidadão livre e o PG no bloguítica nacional já realizaram outras entradas sobre o tema - vi agora. De uma afirmação de Gabriel: discordo, por completo, da redução da cidadania a uma mera educação cívica. Vejo uma atitude desconsolada e acomodada perante um facto que julgam incontornável - a alienação informativa de muitos cidadãos. Ora através da constatação de um facto como esse(descrito mais profundamente há quase 200 anos), tomando-o como insuperável, justificam a manutenção do Statu Quo. A discussão que considero relevante roda em torno de como superar essa lacuna...