quinta-feira, janeiro 26

No Direction Home


Não se pode separar o documentário de Scorcese "No Direction Home" do primeiro volume da autobiografia de Dylan "Chronicles". Funcionam de maneira diferente mas não se podem separar.
Chronicles divide-se pelos seguintes períodos: a ida para N.Y. e o ambiente cultural de Greenwich Village no princípio dos anos 60, o período pós digressão de 66, o processo de composição e gravação do álbum Oh Mercy e, voltando atrás no tempo, o encontro de Dylan com John Hammond e a assinatura do contrato pela Columbia Records. A lucidez de Dylan é assombrosa, a descrição de um período em que Dylan acreditava que era uma falhanço é de arruinar os nervos a qualquer um e os esforços de Dylan para gravar o álbum Oh Mercy numa altura em que nada parecia resultar musicalmente para Dylan são especialmente interessantes. Dylan não esconde nada e dá um prazer especial saber o que é que se passava na cabeça de alguém que escrevia músicas como "Desolation Row" ou "Visions of Johanna".
Já o documentário de Scorcese, apesar de cobrir o período de tempo entre a chegada de Dylan a N.Y. e a digressão de 66, o centro nevrálgico do filme é, sem dúvida, esta digressão. As reacções ultra-conservadoras de uma esquerda irritante que negava a Dylan o direito de fazer música que não servisse os interesses do movimento pelos direitos civis, os insultos a Dylan, a cobertura mediática sedenta de sangue que não conseguia perceber que Dylan tinha passado a tocar com uma banda eléctrica só porque lhe apeteceu e que isso não era sinónimo de nenhuma traição a um movimento a que Dylan nunca pertenceu. Está tudo neste documentário, acompanhado pelos comentários de um Dylan que olha para trás com alguma amargura mas sem arrependimentos.

Mesmo que não se goste de Dylan, estes dois trabalhos valem verdadeiramente a pena e deixam-nos descobrir uma genialidade muito mais lúcida do que se possa pensar.