sábado, julho 10

Nuvem de pó

No Vale das Crateras, uma ou duas vezes em cada cem anos, um vento, uma espécie de nuvem de pó, sopra do fundo da terra, e pelos funis enxutos das crateras sobe, lambendo como a língua dos gatos, por três dias, as casas e as faces dos habitantes daquele lugar. Então, todos perdem a memória: os filhos deixam de reconhecer os pais, as mulheres os maridos, as raparigas os namorados, as crianças os pais e tudo se torna um caos de sentimentos novos.
Depois cessa o redemoinho dentro das crateras e, lentamente, cada coisa volta ao seu lugar, não recordando ninguém o que, dentro da nuvem de pó, aconteceu nesses três dias.


Tonino Guerra
Histórias para uma Noite de Calmaria
(tradução de Mário Rui de Oliveira)