segunda-feira, julho 28

A aldeia promíscua

Fui-me procurar numa pequena aldeia transmontana. Num daqueles locais onde o telemóvel não tem rede e onde os porcos são recos.
Ao chegar, a estranheza de quem não pertence, os olhares de quem pertence e o sorriso do descanso e da solidão.

Ao fim do primeiro dia ficaram as impressões e os nervos de quem não percebe.
Uma aldeia que me persegue. Das moscas à irritante sirene do demasiado familiar FamilyFrost.

Uma aldeia obcecada pelas heranças e pelas terras lavráveis (aqui ditas de prédios), que luta contra o vazio das pessoas e da memória. Uma aldeia que não aceita o divórcio mas que tem no olhar e no rosto as marcas das amantes, dos filhos ilegítimos e dos perfilhados.
Julguei que a aldeia era dominada pelas mulheres (aqui só as mulheres trabalham e os homens são bananas) mas ao cair da noite fui assolado pela minha falta de masculinidade aquando da recusa de ir à pipa (chavão nativo para uma noite de excessos e álcool).

Vim procurar a autenticidade de uma aldeia portuguesa, mas encontrei o pior da cidade e o melhor das cidades que me conquistaram, o álcool, a paciência e os mexericos. Nesta terra todo o rosto tem uma história e a qualquer olhar somos fustigados exaustivamente com essa história. Todas as histórias de vida são de domínio público e por todos partilhados. O traço que todas estas pessoas tem em comum é o de terem uma só vida. A vida da aldeia.

Nesta terra os animais não tem nome (para que dar nome a algo que amanha vamos comer). Para que? Os gatos são gatos e os cães são cães. Para que enganar os animais, um gato sempre será um gato.

Nesta aldeia vivesse a dicotomia cidade campo. A primeira pergunta é sempre “É da aldeia?”. Talvez esta seja a estranheza que me assola, ser da aldeia é para estas gentes um garante de algo, uma afirmação moral ou um atestado de pureza. Só sendo da aldeia, seja ela qual for, é que nos deixam entrar nos estranhos segredos da terra. Toda esta experiência me revela que não sendo da aldeia é um peso que para sempre vou transportar. É uma característica definidora de carácter. Mas eu sou da cidade, ou melhor das cidades!