sábado, novembro 20

Não sei porquê, fez-me lembrar a nossa Academia.

"De cada vez que um povo exige liberdade
-oh não bem o povo, mas os grupos que o grupo no poder
não inclui na partilha da pele do povo propriamente dito-
os clamores são comoventes pela democracia.
No entanto, é claro, nada pode fazer-se
que não clamar de mão no peito
(a outra coçando nos lugares impróprios),
pois que, em verdade, o poder dos grupos
é sempre o poder dos grupos.

Mas de cada vez que, farto de palavras,
um povo estoura com tais odres rotos,
e faz deles passadores que esguicham
muito menos sangue que o chupado em séculos,
os tremores são, a mais de comoventes, trémulos
de indignação, não já co'a mão no peito
(a outra coçando sempre nos lugares impróprios),
mas exigindo acções colectivas em defesa da ordem,
da justiça, da liberdade. E sanções (e bombas).

Pois que em verdade o poder dos grupos
é sempre o poder dos grupos, e lá dizia o poeta
"qualquer morte de homem me diminui", e o número
de mercenários diminuiu assim terrivelmente,
neste mundo em que são precisos tantos para manter a ordem,
a justiça, a liberdade, e sobretudo aquelas
que são feitas de pele de qualquer povo. E enfim,
considerando que a circuncisão é altamente uma prática higiénica
e desde há séculos predilecta de Jeová,
talvez que o grupo no poder nos quisesse vender
nem que seja um prepúcio em que investir capital."

Jorge de Sena - "Pequeno tratado de dermatologia"